Andam dizendo que estou escrevendo coisas incoerentes. Coisas que não condizem com a verdade, com a minha situação ilusória de bem-estar e satisfação com as coisas certas. Andam dizendo, com isso, que sou um hipócrita. Que minha vida regrada não condiz com a postura pornográfica e libertária desse sítio. Que meu passado marcou feito ácido minha pele parda, e desde então, nunca mais fui o mesmo. Minha religião nova me impede de mergulhar nas coisas improprias, nas coisas juvenis e nas coisas indecentes que o lado feio da minha vida oferece.
Dizem que essa moderação gerou um estranho anseio pela maldade, me obrigando a escrever nessas linhas invisíveis coisas que gostaria de ter feito, de ter dito, de ter vivido. Ora, pobres daqueles que acreditam apenas no que veem ( sem enxergar, nunca ).
Pois a maior sacada do diabo é ocultar a sua existência, entre as coisas humanas, entre as coisas santas. Os demonios são mais espertos do que se imagina.
Andam dizendo que eu ainda a amo, que essa moderação toda surge daí. Deveras fosse verdade ! Pois talvez eu sentiria mais do que essa tremedeira ao ouvir sua voz, no telefone, escondido, gaguejasse ao ouvi-la falar e respirasse como boi em matadouro. Talvez se a amasse, a deixasse partir. Aí então, nunca mais. Aí então, feliz.
Dança Nkissi
espalha encanto nos terreiros
Nguzu corre veias mortas,
Servos dos deuses descabelados
e de negros faceiros
Segue o sopro, incendeia
Magia ! povo arteiro
É dia de festa.
Ah, se aquele sorriso fosse pra mim, negrinha, desatinava em tua pele minha brasa.Manchava tuas coxas com minha língua, e te comia, negrinha, te comia.
Nem todos apareceram no velório de caixão lacrado, que ocorreu naquela sexta-feira de julho.Últimas semanas de julho.
O salão simples de paredes brancas e lisas fazia contraste com a amenidade artificial das flores coloridas com suas pétalas espalhadas pelo chão.A presença amarga das flores que enfeitam os velórios.Talvez fossem acompanhantes do defunto, já que também compartilham da qualidade de estarem mortas.Nunca vou saber o real significado das flores nos velórios.
Corria a celebração regida por soluços de semi-conformismo, da mãe e algumas tias.Chorando mesmo, só a namorada.O silêncio era total entre os penetras e amigos, que por não contarem com a imagem curiosa do cadáver, eram obrigados a olhar pontos fixos no salão, procurando compreender a própria mortalidade.Todos olhavam para dentro de si mesmos.Menos eu, que olhava para a rua.
A tarde na rua continuava vazia, como todas as outras tardes, e ainda havia vestígios das férias por conta de alguns pipas que travavam suas batalhas no céu.O cachorro continuava coçando a sarna em público e os homens continuavam com sua cachaça no bar, assando carne de porco ouvindo forró.Já era começo de noite, sexta-feira de julho.As últimas semanas de julho.E a vida continuava a mesma, apesar do menino que morreu.
Eu tentava entender.
O mundo mudou no salão da paróquia.As pessoas mudaram no salão da paróquia.O menino morreu, mas tudo continuava sendo o que sempre foi : a rua, a sarna, o porco.
Caetano Veloso
Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina
. Mulata
. É esse cigarro, toda manh...
. Não comerei da alface a v...
. e agora um Deus dançou em...